"Morfose"
Palavras-chave: Eu-interior, espetador, identidade, multissensorial, organicidade; pele, temperatura
Morfose é o ato de formar ou dar forma, como um reflexo elementar, resultante de uma substância viva. Esta forma assenta na ideia de crescimento e desenvolvimento progressivo desta substância embrionária. Através de materiais que suscitam a organicidade, nasce um organismo vivo oculto e resguardado, que espelha o eu interior. Este elemento desenvolve-se num espaço que lhe é intrínseco. A sua posição no espaço, o meio envolvente e o espetador participam todos numa relação de co-dependência. O sentimento de espaço está ligado ao Eu, o Eu que está em relação perpétua com o exterior.
O método de pensamento assenta na relação intrínseca entre o objeto, o espaço e o espetador. A presença do espetador torna a experiência sensorial mais rica, posto isto, é essencial haver um aprofundamento de todos os sentidos. Sendo o sentido visual que fornece mais informação ao cérebro, ao atribuir-lhe menor importância, estabelece-se relações espaciais de curta distância. Assim, apela-se à aproximação, ao desejo indiscreto de descobrir mais, de sentir. Conjuntamente, cria-se relações espaciais pessoais e íntimas com os objetos, relações que não são visíveis, mas sentidas. Amplia-se e expande-se os sentidos de contacto e os que requerem aproximação para ser possível aprofundar e focar o que a visão não consegue. O maior órgão sensorial é a pele, é uma fonte de informação de fidelidade incontornável, sendo também o sentido mais pessoal. Com este, é possível sentir a textura e a temperatura e, é com base nas recordações das experiências tácteis que, estes fatores são apreciados. Têm um impacto psicológico e social. A sensibilidade da pele às mudanças de temperatura e textura permite presenciar as alterações ocorridas em redor como também fornece informações de natureza pessoal. A pele está aqui igualmente representada como o elemento que se transforma e que dá forma, o abrigo protetor e confiante, a barreira entre o interior e o exterior. Funciona como uma poderosa metáfora para a consciência, o começo do conhecimento, o momento em que o Eu entra no mundo da mente.
“…para apreciarmos bem a escultura, é necessário podermos tocá-la e vê-la sob toda uma multiplicidade de ângulos diferentes. A maior parte dos museus cometem um erro que consiste em não permitirem que as esculturas sejam tocadas.” (Edward T. Hall, 1966: 99, 100)
Ao manter o contacto e o toque ativo com o mundo, o indivíduo aprende a dispor-se num lugar, a conhecer os seus limites e a sua comodidade. Algo que inibe de sentir provoca frustração sensorial. O calor corporal é algo extremamente personalizado, associa-se à intimidade e às experiências de infância. Estas associações são feitas em condições térmicas familiares e não-familiares. Aqui, o espaço age enquanto suporte de memórias e garante da identidade. É um objetivo interpretar estes elementos como uma presença viva e um estado sensível, que geram relações íntimas, pessoais, sociais ou até públicas com o espaço e com o espetador. O principal foco está na criação de formas orgânicas que revestem o Eu interior, como meio para abranger os vários sentidos, criar o sentimento espacial e dominar a relação perpétua com o espetador. Posto isto, surge a criação de um corpo não figurativo inerte que se desenvolve no espaço, apelando ao equilíbrio contrastante entre a figura orgânica e a geometria do espaço expositivo. O tamanho sugere a continuidade e a expansão desta pelo lugar e a forma embrionária representando algo que se encontra em fase de desenvolvimento. A materialidade desvenda a sua organicidade e revela a presença de um organismo que é interiormente ativo. E, isto é verificado através da temperatura e do vapor de água expelidos pela forma que vão dando pistas da sua essência. Para além de ser uma delicada barreira entre o interior e o exterior, a pele de cera, transforma-se e dá forma, abrangendo ainda o sentido olfativo. A combinação entre o calor deste corpo e a sensualidade da pele remete à intimidade e a experiências mais pessoais. À medida que o espetador se desloca no espaço ao encontro da forma, há um enriquecimento progressivo de detalhes que não são visíveis. São estabelecidas relações espaciais de curta distância para controlar a deslocação do indivíduo. O detalhe obriga à aproximação, apela ao desejo
indiscreto de descobrir mais.
Todas as características de uma obra são fatores relevantes para a interação com o espaço e para estabelecer uma relação própria com o espetador. Portanto, propõe-se aos autores o encargo de omitir os obstáculos que interferem entre os acontecimentos criados e o público. Esta tarefa torna-se mais complicada quanto maior for o espaço. A temperatura é algo intrínseco ao ser humano que lhe permite estabelecer relações pessoais íntimas e, a pele é o principal recetor da temperatura, que é tão fundamental para a apreciação de objetos quanto os nossos olhos.
Referências
Eva Hesse Janine Antoni Juhani Pallasmaa Lygia Clark Olafur Eliasson
Referências Bibliográficas
ACKERMAN, Diane, Uma História Natural dos Sentidos, (título original: A Natural History of the Senses, 1990, tradução: Sofia Gomes, 1997)
BUSKIRK, Martha, “Medium and Materiality” in Martha Buskirk (org.), The Contingent Object of Contemporary Art, MIT Press LTD, p.106-157, 2003.
HALL, Edward T., A Dimensão Oculta, (título original: The Hidden Dimension, 1966, tradução: Miguel Serras Pereira, Relógio D’Água, Lisboa, 1986.)
PALLASMAA, Juhani, The Eyes of the Skin, Architecture and the Senses, John Wiley and Sons Inc, Grã-Bretanha, 1996.
SILVANO, Filomena, A Antropologia do Espaço, Sistema Solar Crl, Documenta, 2017.
Morfo, 2020
Cera de abelha, tule, arame de alumínio, resistência
250x90x80
Através de materiais que suscitam a organicidade, nasce um organismo vivo oculto e resguardado, que espelha o eu interior. A sua posição no espaço, o meio envolvente e o espetador participam todos numa relação de co-dependência. O sentimento de espaço está ligado ao Eu, o Eu que está em relação perpétua com o exterior.
Apela-se à aproximação, ao desejo indiscreto de descobrir mais, de sentir. Conjuntamente, criam-se relações espaciais pessoais e íntimas com o objeto e ampliam-se e expandem-se os sentidos de contacto. A pele está aqui igualmente representada como o elemento que se transforma e que dá forma, o abrigo protetor e confiante, a barreira entre o interior e o exterior. Funciona como uma poderosa metáfora para a consciência, o começo do conhecimento, o momento em que o Eu entra no mundo da mente.
A forma embrionária representa algo que se encontra em fase de desenvolvimento e a materialidade desvenda a sua organicidade e revela a presença de um organismo que é interiormente ativo. Para além de ser uma delicada barreira entre o interior e o exterior, a pele, transforma-se e dá forma. A combinação entre o calor deste corpo e a sensualidade da pele remete à intimidade.
No meu quarto não se dorme , 2020
algodão, cola branca e plástico
4 objetos com cerca de 20x30x50 cm
Confinar dentro do confinamento. Em vez de ressonar pinga e eu nem sei o que prefiro. Só sei que é contagioso e eu nem tentei impedir o contágio.
Acho que me estou a escoltar por dentro.
Estas figuras nasceram do ato inconsciente de querer e ter de fazer. Com o pouco que tinha começaram a ganhar vida. Assim como eu tenho o meu espaço de confinamento, elas também precisavam. Pingavam a noite toda e cheiravam muito a cola. Contaminei-as mas elas também me contaminaram.
experiências com algodão e gelo
imagens do processo - algodão e cola branca
processo from Leonor Ferreira on Vimeo.
imagens finais